quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Família, Alma gêmea e Extraterrestres

A última vez que encontrei grande parte da minha família foi no réveillon. Não em virtude do mesmo, mas por ocasião do velório da minha avó. Minha família não é daquelas que se reúnem com frequência, não sabemos muito um da vida dos outros, mas as notícias correm e o momento para comentários e justificativas, com direito a julgamento e defesa, acabam por ocorrer nesses momentos. 
Bom, em certo momento, estava eu conversando com meu pai, que, por sinal, é uma excelente companhia em velórios. Sempre me junto com ele para comentarmos as gafes de cada um que passa, e é divertido. É um instante só nosso, ajuda a lidar com a tristeza e a gente se entende. Talvez só nós dois, já que quem nos vê rindo, certamente acha esquisito. É contra a etiqueta dos velórios. Mas nós nunca seguimos muito os rituais de cerimônias mesmo.
Nesse último veio a grande parte da família mais afetuosa, aquela que pergunta dos namorados à quem está solteiro; do noivado à quem está namorando; do casamento à quem está noivo; dos filhos à quem está casado. E o ciclo se repete com os filhos destes. Para eles, há sempre uma próxima etapa necessária a ser cumprida, eles fazem check-list de todo mundo pra atualizar suas visões.
Continuando, estava com meu pai quando chegou uma tia, dessas afetuosas, e eu já sabia o que estava por vir, afinal, minha irmã mais velha já era formada, casada e acabara de ter um filho. Coitada de mim. Eis que quase anunciada, chega a pergunta: e você? Quando casa e terá filhos? Larguei um sorriso e respondi na lata: Eu? Mas eu nem sei dirigir ainda! Meu pai largou outra risada, o que fez a minha tia soltar um sorrisinho amarelo e seguir caminho por entre os outros familiares, continuando a pesquisa.
Ele entendeu, era o que bastava. E continuamos a sós no nosso canto. Ora, disse ele, nem tirou carteira de motorista... Quanto mais todo o resto! Pois é, disse eu, não cumpri ainda as etapas pregressas.
Lembrar dessa história me levou à uma percepção profunda. Tá, nem tão profunda assim, mas importante. Eu tenho vivido tanta coisa na minha vida, as etapas que se sucedem a cada escolha têm me preenchido de uma maneira tão verdadeira, que acabou por derrubar de vez o sonho que eu tinha quando era adolescente de um dia encontrar a alma gêmea, casar, ter filhos, etc.
Talvez seja isso que as pessoas tanto querem dizer sobre a gente precisar aprender a viver só. Eu sempre fui uma pessoa solteira, mas não era uma pessoa livre. Eu estava sempre no tempo de encontrar alguém.
Reflexões e inúmeras sessões de terapia foram me conduzindo à outro encontro, o próprio. E chegar nesse momento é uma experiência tão gostosa, que só tem me feito querer estar o tempo todo comigo, focada nas minhas prioridades, cuidando-me e me respeitando, como eu acredito nunca antes ter feito.
O ponto é que isso tem deixado o meu mundo mais afinado e divertido, sem grandes interferências. Talvez eu só precise ficar atenta porque acostuma, é confortável demais viver no próprio mundo, e pode ser que outros corpos que se aproximem acabem por aparentar ameaça.
Deve ser por isso que eu morro de medo de extraterrestres, mais do que de aranhas e de fantasmas. A ideia de alguém de outro mundo chegar, impor certas coisas e misturar tudo por aqui pode bagunçar demais o que demorou tanto tempo e dedicação para ser construído.


segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Reclusão

Eu entrei em um daqueles momentos de reflexão, a época fria passou e agora o sol e o calor ressurgem. O vento não é mais tão forte, e por isso as lembranças não voam. Algumas delas têm me rondado com mais facilidade esses dias, não me tocam, mas me olham. Eu as encaro de volta, analisando cada forma, cada palavra que a memória ainda não consumiu. 
É difícil enxergar todas elas inteiramente, porque a memória (aquela que, quando ruim, nos faz esquecer das coisas) é faminta e se alimenta de lembranças, os pedaços que ela come são cada vez maiores. Porém, há pedaços que não são comestíveis, ou talvez ainda grande demais para consumo, e esses são os que me rondam.
Agosto é um mês de transição e readaptação. As férias acabaram, e a rotina vai voltando aos poucos, o que me deixa mais cansada do que quando já estou completamente adaptada, a organização inicial demanda muita energia. O tempo tem me ajudado, tem corrido lentamente.
Olho à minha volta e vejo livros esperando para serem lidos, afazeres domésticos esperando para serem feitos, o almoço nem foi iniciado e a xicara de café contém uma dose restante que esfriou enquanto eu aqui escrevo. Tudo está a minha espera, e eu não tenho esperado nada. Nem mesmo esse texto segue a ideia inicial que tive ao começa-lo, minhas palavras costumam ter vida própria.
Esse é o momento em que careço de realocar as lembranças, do contrário elas me espalham e acabam por me incentivar a cometer atos impulsivos. Antes a memória se alimente delas do que elas se alimentem de mim, pois se o fazem, crescem, ganham poder e me tocam até que eu comece a agir por elas e não por mim.

Respiro fundo. Tudo está em silêncio. Eu sou silêncio. São 10h46 da manhã e desde a noite passada eu lembro daquela música que pergunta “do you remember me at all?” Porque eu sim.