quinta-feira, 12 de outubro de 2017

A festa e a bagunça que todo mundo vê e a música que ninguém ouve

Começar um texto as vezes é tão difícil quanto começar um relacionamento. A ideia que temos é de que, se começamos bem, o restante fluirá com mais facilidade. Inícios precisam ser criativos para que sejam estimulantes, tanto para quem lê, quanto para quem escreve. Muitas vezes, é o primeiro parágrafo que segura o segundo, e abre portas para o terceiro. Escrever é se relacionar com o papel, ou com o teclado. É deixar marcas que duram, que perpassam quem somos e atingem quem entra em contato, de uma maneira diferente para cada um.

Eu sempre gostei de escrever porque eu sempre gostei de ler. Meu trabalho gira em torno disso, minha agenda, meus diários... se não escrevo, não tenho por onde transbordar. As ideias ficam girando na minha cabeça, desordenadas, incomodando. E então eu me sento, coloco o celular no silencioso, um copo de água do lado, e transbordo. As palavras vão saindo sem qualquer planejamento, o que eu planejei escrever no inicio não é o que estou escrevendo agora. E o que virá depois eu ainda não sei.

Parece que também a vida é assim, inteiramente. Temos ideias que se executam das formas menos improváveis, ou impensadas. Planejamos para melhor improvisar. Passamos o caminho inteiro dentro do ônibus calculando a parada para descer e, perto do final, decidimos descer uma parada antes porque lembramos que precisávamos imprimir um documento. Há coisas que surgem, bem na nossa frente, que tornam difícil contornar para seguir o que era planejado, porque o que havia antes já não parece mais uma boa ideia sem o que há agora.

Ah, imprevisibilidade! Acho que você é a esposa do Tempo. Fazemos junção do tempo com experiência de vida, com o dinheiro, com a paciência. Dizemos que só o Tempo dirá. Mas a ultima palavra vem da imprevisibilidade. O tempo tenta nos preparar para ela, que vem jogando todos os papeis para o alto, como o vento.

A imprevisibilidade faz bagunça feia, dita novas regras que, somente com o tempo, vamos nos acostumar. Ela quebra paredes, destrói muros, gasta dinheiro, aumenta (ou diminui) o apetite, mexe com a ansiedade, acelera o coração. E parece que é, no meio dessa inconstância que assusta, que afrouxa, onde encontramos o amor.

E este danado faz a festa. Não tem planejamento no mundo que resista a imprevisibilidade de um novo amor. Melhor entregar os pontos, ser mané da boa vontade. Porque não dá pra forçar todo mundo a entrar nessa dança em que só a gente escuta a música. Ninguém suporta o pieguismo do apaixonado. A única saída é ser discreto e cantar no chuveiro.

Os amigos disponibilizam dez minutos do seu precioso tempo para ouvir as coisas mais clichês, até porque não da tempo organizar um discurso bonitinho pra eles se interessarem e entregarem mais dez minutos. Corta! A família, coitada, é preparada para proteger o amoroso que, certamente, é visto como alguém andando em direção ao precipício, num caminho sem volta. Pouco podem ouvir, porque o amoroso vai se distanciando, não pode falar tudo para não dar ideia errada.

Pouca gente tem paciência para ouvir J Quest, banda de tão feliz e amorosa que é, vira um saco. Enquanto isso, Sertanejo de dor de cotovelo cresce aos montes. É a parte em que o amigo se junta e a família acode, agora bem preparada. Todo mundo sabe o que acontece. Por isso, ninguém aguenta os apaixonados, são imprevisíveis e bagunceiros. Apaixonado é adolescente antes do primeiro emprego, e só o tempo pode levá-lo a aposentadoria. Apaixonado é carta de amor, sem referência ou formatação. É poema solto que, com o tempo, conhece outro e se junta para formar um livro.


Tem amor que é escrito como esse texto, sem critério e sem planejamento, mas que consegue aliviar seu escritor, perpassando tempo e aproveitando a bagunça da imprevisibilidade.


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