segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Rinocerontes

Sobre a insegurança da vida muitos falam, fazem discursos, prometem ações mas que a fundo são para legitimar seu ódio e incapacidade de lidar com possibilidade de perdas. E nesse discurso de que precisam se resguardar da guerra, roubam os direitos autorais de quem sobreviveu a muitas guerras e vivenciou perdas inimagináveis. Não conheci de nenhum  sujeito que venha com discurso de extermínio, de supremacia, uma vivência anterior dessa dureza em si para justificar tudo isso.

Quem viveu a dor tem muito mais a ensinar do que quem promove ação de salvação extremista para se alienar da dor, condição existencial que podemos chamar de sofrimento. Quem infelizmente passou por muito na vida, tem tanto a mostrar que pouca gente consegue acessar, até por serem poucos. 

Vivem nos escombros, salvando os pequenos. São quem verdadeiramente tentam assegurar, prevenir e agir em busca de justiça.
Dos que viveram essa dureza eu vejo que vem amor. E sabe porque? Por saberem que aqueles a quem eles conseguem salvar,  são os que são mortos por aqueles que nunca passaram sequer fome na vida. 

Hoje encontrei um par de olhos. Deles, pude sentir uma esperança que sobreviveu a tanto martírio, a uma guerra, a um genocídio em massa, a ver as suas colegas de profissão serem mortas e, hoje enxergando aspectos sociais que podem levar a fins muito parecidos, deles escorriam muitas lágrimas. Os olhos marejados eram prova da dor de tantos percalços. E sofrem por sempre perceber que pessoas foram e são mortas pelo motivo gratuito de apenas serem quem são. 

Observei, emocionada, também aquelas mãos. Elas deram de comer a tanta gente, cuidaram e cuidam de tanta gente, e estão se paralisando pelo medo e por ameaças. Quem cuidará daquelas mãos? 

“Pouca gente sabe o que é sobreviver a uma guerra, e não ter tempo de vivenciar o luto de ver quem você ama ser assassinado”. Disse ela. A sobrevivência se dá por puro instinto.

Hoje a minha vida mudou de novo. Naquele encontro, eu vi alguém lutar apenas por um pouco mais de oxigênio para enfrentar o que está por vir. Sem armas, sem jogo sujo, sem se alienar. Só pra levantar da cama e ir para o contato com os limites do mundo. Eu vi alguém que todos os dias luta, que sua existência por si só já é o maior ato de resistência. Alguém que teme que o mundo padeça e se destrua em pedaços de cada indivíduo alienado de sua capacidade de ser com os outros.

“As pessoas estão se tornando rinocerontes. Elas só correm, e destroem tudo por onde passam. Eu vejo que é isso que está para acontecer: a busca pelo poder vai nos tornar rinocerontes”.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Dois pássaros

Essa madrugada eu sonhei que eu criava dois pássaros, lindos, coloridos. Lembro que alguém me deu correntes para prendê-los, mas eu guardava as correntes porque eu sentia que não precisava.
Só que no outro dia os pássaros desapareceram, e eu ficava muito triste. Além disso, as correntes também haviam desaparecido, mesmo que eu não tivesse colocado neles.
Até que alguém aparecia dizendo que viu os pássaros na mão de um vizinho, e eu ia atrás deles, com fotos no celular para provar que eram meus.

A pessoa que detinha os pássaros havia prendido os bichinhos nas correntes como eu não havia feito. E eu lamentava e pedia para que eles considerassem me devolver, pra que eu não precisasse envolver outras pessoas nesse resgate, ou mesmo a polícia. 
Nesse tempo, brinquei um pouco com os pássaros e depois fui embora, na expectativa que o feitor do roubo tivesse o mínimo de consideração para comigo.

Acordei sem ter feito o resgate. Acordei na espera de poder recuperar as cores e os sons, sem precisar acorrenta-los para que outra pessoa não tome o que comigo estava. 
Há um desejo oculto nesse sonho: o desejo de respeito à escolha de, primeiro não precisar acorrentar os pássaros pois isso não significa que livres eles não podem estar comigo; e segundo que não são tempos fáceis para que possamos simplesmente criar sonhos coloridos, alguém facilmente nos rouba e os acorrenta.

Deixo espaço para outras interpretações. Acordei triste pela situação do nosso país, pelos inúmeros pássaros que vejo sendo roubados e assassinados a troco de intolerância e desrespeito.


Que um dia, todos possamos voar.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Notas de Consultório I

O quadro
Visitava o consultório, semanalmente, há um ano. No último dia, atentou para a existência do quadro na parede pela primeira vez.


Enfrentamento 
As nossas questões batem na porta.

Tempo
Notou que poucas vezes na vida tem o controle do que pode fazer dentro do seu tempo e, no consultório, passou a enfrentar qualquer um que bata na porta e a interrompa antes do final da sessão.

Liberdade
Ouvi naquele dia “parece que a pessoa que me deixa mais livre é você”. Depois pensei que podia ter respondido: não te entrego nada que você não tenha. Quem está escolhendo ser livre, independente de mim, é você.

Lugar
A sensação que eu tinha era a de que ele trabalhava apenas para manter seu lugar no trabalho.

Colocar-se
Há uma diferença entre ser passivo e não se colocar apenas nas situações que podem causar dor. Ser ativo pode, ainda assim, não promover possibilidade de se colocar.

Empoderamento 
Relatava que no jantar o rapaz julgou sua ação de adotar um bicho de estimação. Para ele, ela havia agido por carência. Ela, um pouco chateada, reagiu apenas se justificando. Refletimos juntas na sessão: quem é ele para saber mais dela do que ela mesma? Saiu naquele dia desejando aprender mais sobre como não precisar se justificar para todo mundo.

Escolhas 
Ninguém escolhe num dia algo que quer que permaneça para o resto da vida. O sim do altar deve ser dito todos os dias. 

Perdas
Aceitá-las, liberta. Negá-las, aprisiona. 

Comunicação 
Ouvia que todos os dias eles se falavam. Até então nunca ouvi que, pelo menos em alguns dias, eles dialogavam. Satisfação não é compartilhamento.

Casamento 
Não podendo mais “fuçar” o celular do companheiro, a paz voltou a reinar.

Desafiar-se
Dizia que não gostava de desafios. Um dia, trocou a brincadeira de casinha por um cubo mágico.

Terapia
Depois de 9 meses frequentando o consultório semanalmente por obrigação, iniciou seu processo de terapia por escolha própria.

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Entre o novo e o antigo o que muda é o olhar

Havia viajado algumas, e porque não dizer muitas, vezes por aquela estrada. Usando de recursos comuns, carros pequenos ou vans e tendo alguém que dirigisse o meu caminho, eu pouco olhava pelas janelas. O destino me era comum, porque procurar belezas durante o caminho? 

Ao fazer sempre a mesma viagem, só mantinha meus olhos atentos  quando avistava o destino final. Sem perceber, isso nunca me enriqueceu nem tornou meu caminho mais próprio.
Depois de um longo tempo, tive oportunidade de fazer viagens para outros lugares. Nelas, tendo que dirigir o meu caminho, eu o observava, visto o destino não me ser comum. E pude perceber que novos percursos me moldaram os olhos. Porém mesmo assim, ao voltar aos lugares que já frequentei, eu olhava da mesma forma, ou dormia no percurso. 

Minha vida mudou e depois tive a oportunidade de querer apresentar o que me era conhecido a outra pessoa que comigo viajava. Para ela, tudo era novo e então eu fui me tornando facilitadora do seu caminho. Aqui digo facilitadora porque íamos dirigindo juntos e nos auxiliávamos.

Precisando estar atenta a todo o percurso, eu comecei a apresentar a meu companheiro todos os lugares que meus olhos já haviam visto. Não tomei a sua frente, eu só apontava e ele me apontava o que, no meu caminho comum eu não havia percebido antes. De repente, percebi-me viajando!

Os caminhos que eu já era habituada se tornaram caminhos que me enriqueciam os olhos porque, ao que parece, era importante que o outro visse tudo que me era importante e que, enquanto eu estava sozinha, era comum.

Não dormi durante a ida e nem na volta, não senti preguiça ou busquei desculpas para não revistar todos os lugares.
Interessante é pensar o quanto podemos enriquecer nosso olhar quando tentamos enriquecer o olhar do outro. Não busquei criar nele expectativas ou sonhos, mas simplesmente tentar transmitir minha história nesses caminhos.

Do outro lado, ele na minha história não depositava expectativas ou sonhos e talvez por isso, fizemos uma viagem limpa e cheia de coisas antigas vistas agora com uma nova beleza. A maioria das minhas histórias naquele caminho já não mais existiam, assim como mudaram os lugares que frequentei.

E eu falava "ali costumava ser, ali acontecia, aqui era...". Percebi nesse discurso que nada mais é. Assim como eu ali não sou, eu fui. Isso é história, algo que nos referencia ao hoje e que hoje não existe mais.

A partir dali, senti que eu e ele fazíamos uma nova viagem juntos. Nenhum lugar será igual. 
Desejo assim manter abertos os meus olhos para todos os caminhos e não dormir durante os percursos, novos ou conhecidos. Algo novo pode sempre acontecer!


sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Estranhas conexões

Recentemente eu sofri outro assalto, não houve violência física (embora a ameaça já pode ser caracterizada como uma), foi na luz do dia e em horário de almoço. E, a partir de então, a enorme teia de sentidos foi se estabelecendo. Após o ato, meu corpo inteiro estava paralisado, eu assisti o rapaz ir embora em sua moto, levando apenas meu celular. 
A minha primeira reação foi: isso era esperado, ocorre todo dia, que bom que não houve nada a mais, foi só um celular, está tudo bem. 
Minhas pernas voltaram a funcionar e eu segui caminho, carros e pessoas passaram por mim, aparentemente não me viam. Eu caminhei seguindo o planejado, estava indo para o trabalho. Então, a razão foi chegando aos poucos. Voltei correndo, liguei o computador e tomei todas as medidas de segurança possíveis naquele momento, avisei a algumas pessoas e voltei para o trabalho.
Trabalhei o turno da tarde e o início da noite, calmamente. 
Cheguei em casa, retornei ligações dos familiares preocupados, tomei banho, deixei o tablet ligado no meu seriado favorito até conseguir dormir.


Dia 2
Tive uma sessão de terapia, chorei pouquíssimo para a minha surpresa, concertei um celular antigo e recuperei o chip. Retomei contatos e avisei a todos que sabiam que eu estava bem. Pelo menos, fisicamente bem.
Tive insônia, deixei novamente o tablet ligado na série favorita até que eu adormecesse. Do contrário, o silêncio e a escuridão faziam barulho na minha cabeça.


Dia 3
Odeio domingos e este não foi diferente, foi pior ainda. Chorei muito, pela primeira vez. Procurei entender o que me doía, afinal, era só um telefone celular. Procurei uma amiga pra conversar, desabafei um pouco, e depois fui assistir TV. Recebi uma ligação dos meus pais, fizemos uma vídeo conferencia com minha irmã. Conversei com meu namorado, desabafei mais um pouco, desliguei o telefone, liguei o tablet, tive insônia novamente, adormeci.


Dia 4
Havia planejado um evento com um colega de trabalho e era o dia da execução. O evento durou a tarde toda, com poucos percalços, e tudo estava bem. Tive aula de ballet normalmente e ao chegar em casa recebi outra ligação dos meus pais, só pra conferir se estava tudo tranquilo. Um sentimento confuso começa a aparecer, não conseguia identificar muito bem. Tive uma insônia maior do que nas outras noites, embora o cansaço do corpo fosse maior também, até que meu namorado viu que eu ainda estava online de madrugada no telefone e me ligou. Conversamos até que eu adormecesse. 


Dia 5
Palpitações durante o dia todo de trabalho, e só me sentia tranquila enquanto estava atendendo. A cada intervalo de atendimento, a vida real aparecia para mim, assustadoramente. Tive aula a noite do ballet e, a noite, dormi sem a ajuda do tablet ligado pela primeira vez. 


Dia 6
Entendi o sentimento estranho que começou a aparecer no dia 4 e estava ganhando força. Tinha nome, era solidão. A perda do celular me remeteu a perda de comunicação, muito embora eu nem me considere uma daquelas pessoas que passam o tempo todo usando o celular. Telefone é algo que, atualmente, nós pouco conseguimos mais viver sem. E isso doeu como um tiro ou uma facada que o assaltante poderia ter me dado. Eu me dei conta de que, durante toda essa semana, o contato que eu tive com as pessoas que eu amo foi todo feito por telefone. Tirando meu amigo que divide apartamento comigo, não vi ninguém além das relações de trabalho, e isso não foi somente essa semana. Estaremos nós ficando confortáveis diante de uma tecnologia que nos dá a ilusão de companhia? 
Isso me entristeceu profundamente. A vulnerabilidade da vida já nos coloca em risco o tempo todo, afinal, estamos lançados no mundo. E me entristece que estejamos nos deixando levar pelo conforto imaginário das mensagem de celular. 


Recuso-me a aceitar que um ladrão roube minhas companhias se ele leva meu celular. Se isso acontece, elas já se deixaram levar há muito tempo. E recuso-me a aceitar que uma mensagem substitui uma presença. Pode acalmar o coração, mas não conforta. Quero, sempre, manter meus olhos abertos para isso. Mas também quero, sempre, entender todas as situações. Como diz a oração "Concede-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar as que eu posso e sabedoria para distinguir uma da outra – vivendo um dia de cada vez, desfrutando um momento de cada vez, aceitando as dificuldades como caminho para alcançar a paz”.


terça-feira, 17 de julho de 2018

Não há dúvidas quando há dúvida


Eu não desejo mais voltar ao tempo em que, na minha cabeça, as coisas deram errado. E eu demorei muito tempo para parar de desejar isso. Comecei a deixar de querer quando notei a contradição de gastar tempo querendo voltar no tempo, querendo reaver o que eu considerava ter perdido, não ter percebido, ter desperdiçado. 

Não sei, talvez seja a maturidade chegando - embora ainda me considere verde; e já consigo perceber o mérito de cada tempo e cada fase.
Eu não sabia, aos 10 anos, que aquela sensação de não pertencimento ao mundo ia encontrar lugar. Eu não sabia, aos 15 anos, que aquele vazio ao chegar nas festas e me sentir completamente fora do meu corpo, observando tudo aquilo de fora, era falta de conhecimento de que o que realmente me agradava não estava ali. E que dava pra viver bem com o corpo e o cabelo que eu tinha (e tenho). Eu mal compreendia que paixão passa, e que quase todos os garotos por quem eu achava que tinha me apaixonado não tinham sido mais do que nervosismo ou insegurança. Depois disso eu nem sei mais o que é paixão, se for aquilo que eu sentia, eu sinto muito parecido com aranhas e eu tenho pavor delas. Não respeito nenhum relacionamento que, pra estar nele, eu precise vivenciar toda essa insegurança. Nunca foi nem seria amor.

Eu não desejo mais voltar no tempo e me vingar de algumas ações ruins de pessoas que, sem compreensão também, atentaram contra mim. Embora muitas delas hoje eu não queira por perto, não por ódio ou rancor, é por não querer mais compactuar com aquilo que antes era considerado amizade e outras vezes relacionamento amoroso. Eu entrego ao meu passado todos os sofrimentos revisados em terapia, e pontuados de uma maneira mais coesa e menos pesada. Agora eu deixo tudo na estante, podendo ver sempre que quiser, sem maiores dores.

O que no fundo quero dizer é que, percebendo a maneira que me movimento, respeito todos aqueles momentos em que, por imaturidade, eu me enxergava envolta de uma teia que me apavorava - por serem as teias objetos de criação do bicho que mais me assusta. 
E então, depois aprendi que essas teias não eram reais, embora o estar dentro de um lugar escuro e apertado o fosse. O que mudou foi que, ao sair, eu olhei para trás e vi, pela primeira vez, que em cada momento desses eu estava dentro de um casulo. Que estar lá é ruim, sim, mas necessário.

Admiro, hoje, as minhas belas asas e respeito todos os meus processos. Isso é, talvez, aquilo que eu mais ouvi a minha vida toda e não conhecia, o tal do famigerado amor próprio. Paralelo a ele eu entendi o que é amor também em terceira pessoa, e que não preciso passar por grandes medos ou inseguranças, ou por uma paixão absurdamente desestruturante, para me sentir bem com alguém, seja este em amizade ou em relacionamento amoroso.


O que vem calmo e é bem construído, dificilmente nos rouba o casulo e nos coloca dentro de uma teia.
Que eu jamais me esqueça disso.


.


quinta-feira, 15 de março de 2018

Uma confissão

Eu preciso me confessar, preciso tirar esse peso de minhas costas. Meu coração já não pede, ele implora. Eu preciso abrir a caixinha dos segredos, e talvez eu até me surpreenda pois isso nem é tão segredo assim.
As pessoas na rua já me viram cometendo esse ato. Elas olham, não com reprovação, mas envergonham-se por mim. Aparentemente, eu tenho pouca vergonha, e por isso preciso me redimir.
Eu preciso me confessar, mas há tempos não vou à igreja. Não saberia nem por onde começar a falar. Quando tento falar para a família, as frases ficam curtas e não saem como eu sinto. Com os amigos é da mesma forma, eu tento me reduzir a justificavas curtas e diretas do porque ando assim ultimamente.
Talvez escrever me sirva de confissão, embora eu ainda não tenha decidido se publico ou não. Entende? É sempre assim. Eu devo confessar?
Talvez alguém compreenda e me diga que já passou pelo mesmo. Talvez alguém me recomende um chá de camomila para acalmar os nervos. Talvez alguém que anseie viver que nem bicho solto tanto quanto eu compreenda o impasse que é mudar isso. Será que é caso de prisão?
Eu já me sinto um tanto presa, não no mal sentido. É um cárcere bem armado, bonito, e de portas abertas. Estaria eu perdendo a razão por ter entrado aqui? Talvez eu deva logo confessar de que se trata, embora tenha medo da punição pós reconhecimento. 
Decidi, vou falar. Deixe-me organizar a frase, eu sei que sou prolixa quando fico nervosa, falo demais tendo pouca coisa a dizer. Vamos lá. 1, 2, 3... eu... é, eu me apaixonei. Eu estou amando! Ufa...
É estranho porque caminhei tanto sem longas paradas, e agora eu me vejo parada num só lugar. E eu, que tanto fui freelancer, hoje tenho carta registrada e um status. Talvez seja bom que eu busque um plano de saúde, para prevenir, sabe? Eu nunca passei por isso, não conheço os efeitos colaterais do amor. 
O que venho sentindo ultimamente, só Deus sabe. Eu venho girando em círculos, em volta de mim mesma. Eu acordo e vou dormir com frio na barriga. Aquela história de borboleta no estômago, eu já tenho um criadouro em mim. Daí falta o ar, às vezes. Depois vem um aperto de saudade que faz parecer que tudo está por um fio. Depois o dia termina, e o outro começa, e vem tudo de novo.
Não tem salvação, não é? Eu só posso aprender a viver com isso. E agora que eu confessei, percebo que não mudou muito. Será que eu deveria falar mais?
Deixe-me pensar. As músicas, os poemas de amor. Santo Deus, é como engolir um pote de açúcar e enjoar, por fazer tanto sentido. Digo mais? Ah, as declarações. Eu venho me declarando mais do que falando sobre o dia-a-dia. É um tal de “sinto sua falta e eu te amo” que se eu comesse um pedaço de bolo por cada vez que eu falasse isso, eu já estaria no meu peso ideal , talvez não tão saudável. E quem disse que eu estou saudável agora? Apareceram uns sintomas esquisitos, eu digo de saúde mesmo. O médico até perguntou se eu havia passado por alguma grande mudança. Olhei para ele e questionei “é pra falar mesmo?” Eu deveria ter confessado lá. Mas decidi fazer os exames primeiro. Voltei até a frequentar a academia, vai que o coração volta pro ritmo.
Ôpa, parece que recebi a sentença: isso é coisa de gente que é mais acostumada com não do que com sim. Vá viver, criatura! Ninguém controla coisa alguma. É destino de todos. 
Ninguém nunca me disse que eu me livraria dessa, só demorou um pouquinho. Mas também ninguém me disse que isso emaranha tanto as ideias que o corpo recebe também umas descargas de choque.

Feita a confissão e dada a sentença, declaro: minha vida inteira mudou e eu preciso conhecer tudo de novo. 


quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Coisas que aprendi enquanto Psicóloga

Este mês eu celebro quatro anos de conclusão do curso de Psicologia. Lembro-me dos planos que eu tinha naquela época e o quanto eles foram lapidados de lá para cá. Agora, em via de defesa do mestrado, com duas especializações concluídas, eu me pego refletindo que a maioria das coisas que eu aprendi não foram por causa da academia, embora passem por meio dela. Vamos lá!

Aprendi que é muito importante planejar, mas isso só ocorre para melhor improvisar.

Aprendi que há coisas que simplesmente acontecem. Depois disso é que posso escolher.

Aprendi que processos não podem ser acelerados, todo mundo tem seu tempo. O que eu posso é estar disponível.

Aprendi que, quando se trata de pessoas, eu não posso esperar nem tentar prever. Muito menos, calcular. 

Aprendi que para ser autônoma, preciso ser proativa. Mas ser proativa não significa ser autônoma. Há um esforço muito maior para a autonomia.

Aprendi que pouco posso reproduzir, embora tenha lido muito mais.

Aprendi que, embora pareça uma ideia muito empolgante, não é legal indicar para os pacientes vídeos do YouTube como uma espécie de dica para ajudar no processo. Livros, filmes e séries, só numa situação muito singular. 

Aprendi a cobrar faltas, a ter horários agendados, a estabelecer contratos e a abrir mão de tudo isso quando necessário.

Aprendi a unir pesquisa, prática e lazer.

Aprendi a consultar minha opinião e confiar mais em mim.

Aprendi a não usar somente da minha opinião e a pedir supervisão.

Aprendi a questionar.

Aprendi que minha profissão é de bastidor, de platéia, de torcida. Embora as vezes escute que sou peça fundamental em certos processos.

Aprendi a me cuidar para cuidar do outro. E sair de cena quando não posso oferecer um bom cuidado.

Aprendi que embora eu me esforce para manter meus ideais, existem outros elementos que podem mudar todo o percurso e eu só terei a escolha de seguir ou não em frente.

Aprendi que ser minha própria chefe tem seus benefícios, mas exige uma autocrítica e autocobrança as quais revejo todos os dias.

Aprendi que ser inautêntica dói. Porém ser autêntica, também. 

Aprendi que se eu avisar direitinho antes, eu posso cobrar depois. Mas é importante ter isso por escrito as vezes, o outro pode esquecer.

Aprendi a fazer planilhas e a controlar melhor meu suado dinheirinho. 

Aprendi a silenciar. 

Aprendi a ser sócia e ter sócias.

Aprendi que somente o que substitui uma falta é uma presença. Mas os sentidos podem ser ressignificados. 

Aprendi o quanto é perigoso aprisionar sentidos.

Aprendi que a perda existe todos os dias.

Aprendi que toco mais pessoas do que imagino e não controlo as medidas de como isso chegará no outro. Por isso, é importante observar.

Aprendi a ouvir. E que todo mundo tem seu modo de ouvir. E que, embora seja incômodo que o outro não me ouça como eu gostaria, isso exigirá de mim mais fluidez e, consequentemente, eu terei a oportunidade de entender melhor de como eu apareço para o outro e como o outro está para mim.

Aprendi que eu posso voltar atrás.

Aprendi que acelerar na ideia de ganhar tempo no futuro faz com que eu perca tempo agora. O débito é condição existencial. 

Aprendi que o melhor de mim pode não ser o melhor pra o outro. E tudo bem.

Aprendi a me perdoar. 

E, questionando-me todo esse tempo se eu vou continuar ou não nesse caminho, a minha escolha por ele acontece todos os dias. Não tem sido um percurso fácil, não rende muito financeiramente, afeta das mais variadas formas porém, quando eu estou no consultório, diante das mais diferentes, dolorosas e belas histórias, o privilégio de ser uma das convidadas a participar deste momento tão importante das vidas daquelas pessoas me enriquece de uma maneira incalculável. 

Eu gosto de viajar, tenho procurado fazer sempre que possível pois me encanta conhecer novos lugares. Mas percebi que nada me encanta mais do que "viajar" nas histórias daqueles a quem atendo, vibrando, imaginando, me emocionando e torcendo.

Tenho, em mim, viagens incríveis!