sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Estranhas conexões

Recentemente eu sofri outro assalto, não houve violência física (embora a ameaça já pode ser caracterizada como uma), foi na luz do dia e em horário de almoço. E, a partir de então, a enorme teia de sentidos foi se estabelecendo. Após o ato, meu corpo inteiro estava paralisado, eu assisti o rapaz ir embora em sua moto, levando apenas meu celular. 
A minha primeira reação foi: isso era esperado, ocorre todo dia, que bom que não houve nada a mais, foi só um celular, está tudo bem. 
Minhas pernas voltaram a funcionar e eu segui caminho, carros e pessoas passaram por mim, aparentemente não me viam. Eu caminhei seguindo o planejado, estava indo para o trabalho. Então, a razão foi chegando aos poucos. Voltei correndo, liguei o computador e tomei todas as medidas de segurança possíveis naquele momento, avisei a algumas pessoas e voltei para o trabalho.
Trabalhei o turno da tarde e o início da noite, calmamente. 
Cheguei em casa, retornei ligações dos familiares preocupados, tomei banho, deixei o tablet ligado no meu seriado favorito até conseguir dormir.


Dia 2
Tive uma sessão de terapia, chorei pouquíssimo para a minha surpresa, concertei um celular antigo e recuperei o chip. Retomei contatos e avisei a todos que sabiam que eu estava bem. Pelo menos, fisicamente bem.
Tive insônia, deixei novamente o tablet ligado na série favorita até que eu adormecesse. Do contrário, o silêncio e a escuridão faziam barulho na minha cabeça.


Dia 3
Odeio domingos e este não foi diferente, foi pior ainda. Chorei muito, pela primeira vez. Procurei entender o que me doía, afinal, era só um telefone celular. Procurei uma amiga pra conversar, desabafei um pouco, e depois fui assistir TV. Recebi uma ligação dos meus pais, fizemos uma vídeo conferencia com minha irmã. Conversei com meu namorado, desabafei mais um pouco, desliguei o telefone, liguei o tablet, tive insônia novamente, adormeci.


Dia 4
Havia planejado um evento com um colega de trabalho e era o dia da execução. O evento durou a tarde toda, com poucos percalços, e tudo estava bem. Tive aula de ballet normalmente e ao chegar em casa recebi outra ligação dos meus pais, só pra conferir se estava tudo tranquilo. Um sentimento confuso começa a aparecer, não conseguia identificar muito bem. Tive uma insônia maior do que nas outras noites, embora o cansaço do corpo fosse maior também, até que meu namorado viu que eu ainda estava online de madrugada no telefone e me ligou. Conversamos até que eu adormecesse. 


Dia 5
Palpitações durante o dia todo de trabalho, e só me sentia tranquila enquanto estava atendendo. A cada intervalo de atendimento, a vida real aparecia para mim, assustadoramente. Tive aula a noite do ballet e, a noite, dormi sem a ajuda do tablet ligado pela primeira vez. 


Dia 6
Entendi o sentimento estranho que começou a aparecer no dia 4 e estava ganhando força. Tinha nome, era solidão. A perda do celular me remeteu a perda de comunicação, muito embora eu nem me considere uma daquelas pessoas que passam o tempo todo usando o celular. Telefone é algo que, atualmente, nós pouco conseguimos mais viver sem. E isso doeu como um tiro ou uma facada que o assaltante poderia ter me dado. Eu me dei conta de que, durante toda essa semana, o contato que eu tive com as pessoas que eu amo foi todo feito por telefone. Tirando meu amigo que divide apartamento comigo, não vi ninguém além das relações de trabalho, e isso não foi somente essa semana. Estaremos nós ficando confortáveis diante de uma tecnologia que nos dá a ilusão de companhia? 
Isso me entristeceu profundamente. A vulnerabilidade da vida já nos coloca em risco o tempo todo, afinal, estamos lançados no mundo. E me entristece que estejamos nos deixando levar pelo conforto imaginário das mensagem de celular. 


Recuso-me a aceitar que um ladrão roube minhas companhias se ele leva meu celular. Se isso acontece, elas já se deixaram levar há muito tempo. E recuso-me a aceitar que uma mensagem substitui uma presença. Pode acalmar o coração, mas não conforta. Quero, sempre, manter meus olhos abertos para isso. Mas também quero, sempre, entender todas as situações. Como diz a oração "Concede-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar as que eu posso e sabedoria para distinguir uma da outra – vivendo um dia de cada vez, desfrutando um momento de cada vez, aceitando as dificuldades como caminho para alcançar a paz”.


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